Minha história com FD/MAS: Como me tornei porta-voz de duas doenças raras crônicas

Quer saber mais o que é FD/MAS sem ler? Fiz um vídeo falando sobre tudo isso aqui:

Este artigo foi escrito e publicado pela primeira vez pela FD/MAS Alliance nos EUA! Compartilhei minhas experiências, explicando minha história com essas duas doenças raras e como me tornei uma porta-voz paciente para a ONG americana.

Olá! Sou Beatriz Kaori Miyakoshi Lopes e hoje vou contar um pouco da minha experiência com duas doenças raras, crônicas e com diagnóstico dificílimo: FD/MAS. Como foi o diagnóstico, vida e dificuldades com FD/MAS e como eu me tornei paciente porta-voz! Foi uma super odisseia!

Como tudo começou

Minha história com essas duas doenças começou antes de eu nascer – só que eu ainda não sabia disso e muito menos meus pais! 

Como acontece com todas as pessoas com FD (Displasia Fibrosa Óssea, uma doença que deixa os ossos frágeis e quebradiços) ou MAS (Síndrome de McCune-Albright, que inclui ossos, o sistema endócrino e a pele), você simplesmente nasce assim – mas onde isso acontece, como isso afeta sua vida e até mesmo quando você descobre varia muito de pessoa para pessoa. Para saber mais sobre os sintomas, você pode ler mais aqui.

No meu caso, os primeiros sinais apareceram quando eu tinha cerca de um ano de idade, em 1995. Demorei mais para andar do que a média e, quando consegui, caí muito. A maioria das crianças pequenas cai e é de se esperar que elas chorem um pouco, mas no fim se levanta, e continua a andar, certo? Mas, no meu caso, quando caí, eu continuei chorando e não conseguia me levantar. Meus pais me levaram ao hospital e, por meio de raios-X, descobriram que eu não só tinha uma fratura (por ter caído enquanto andava!), mas que todo o lado esquerdo do meu corpo tinha ossos muito, muito mais fracos.

Eu tinha um ano de idade e os ossos pareciam tão velhos quanto os de uma pessoa de 50 anos! O que estava acontecendo aqui?

Passaram mais de três anos até meus pais obterem uma resposta. Eles foram de médico a médico, mas no Brasil, na década de 90 e sem o luxo da Internet, levou muito tempo até que encontrassem o diagnóstico. Quando eu tinha quatro anos, fui finalmente diagnosticada com FD e MAS.

Naquela época, eu já apresentava outros sintomas, como múltiplas fraturas ósseas e puberdade precoce. Embora eu tivesse uma mancha de pele de cor irregular em meu braço, isso não era muito perceptível nem um problema. Os outros dois, porém, moldaram minha vida de forma significativa.

Agora tenho 29 anos e grande parte do meu histórico médico tem sido uma repetição de tentativa e erro. Como não há cura ou mesmo um tratamento universalmente aceito, muitos medicamentos e exames que fiz foram testes do que se pensava que poderia funcionar naquela época – e ver se realmente funcionava com o passar dos anos.

Quando era criança, tive quatro fraturas na perna esquerda, quatro no braço esquerdo e um número incontável de fraturas nos dedos e costelas. Também passei por uma puberdade precoce. Atingi meu pico de crescimento aos 7 anos de idade e mantive essa altura; portanto, embora eu fosse a criança mais alta da classe naquela época, agora sou uma adulta bem baixinha (mas alta… para um hobbit!).

Depois que atingi a idade adulta, meus desafios médicos se estabilizaram, felizmente. Consegui levar uma vida mais calma e independente, mas ainda enfrento muitas dificuldades no meu dia a dia, principalmente devido à falta de infraestrutura em locais e instalações no Brasil.

É principalmente devido a isso, além da dificuldade de obter um diagnóstico mesmo nos dias de hoje, que nunca conheci outro paciente na vida! Quer dizer, até setembro de 2023.

Quando conheci a FD/MAS Alliance

Em 2022, encontrei a FD/MAS Alliance online. Fiquei surpresa com o fato de que, primeiro, existia uma organização sobre FD/MAS! E não só isso, mas também que havia de fato pesquisas médicas acontecendo no mundo! E que o NIH está estudando isso há 25 anos.

Sinceramente, fiquei chocada! Há tanta falta de informações sobre essas doenças em português, e a maioria está escondida atrás de artigos médicos e paywalls, que eu não tinha ideia de que havia um interesse real e pesquisas em andamento. Fiquei muito surpresa e também, pela primeira vez em minha vida, esperançosa. Mesmo que nada tenha sido descoberto ainda e que não haja tratamento ou cura definidos, o simples fato de que as pessoas se importam e estão pesquisando sobre isso me deu muito mais esperança e otimismo para o futuro.

E em 2023, quando descobri que haveria um evento em setembro em Washington DC pela primeira vez desde a pandemia, decidi que tinha de estar lá. Essa era a chance que eu estava esperando: conhecer pessoas com a doença, obter mais informações, conhecer médicos que a pesquisam e realmente se envolver com algo relacionado a essas duas doenças com as quais convivi durante toda a minha vida.

Não foi fácil: tive que planejar e economizar muito para ir à conferência (a conversão do dólar para o real é brutal), mas acabei conseguindo e convenci meus pais a participarem como uma viagem em família. E sou muito grata até hoje, um ano depois, por ter conhecido mais de 30 pacientes e também por ter participado de seminários de especialistas. Aprendi muito com todos que conheci; foi incrível.

Sei que é muito clichê dizer “não me senti sozinha”, mas, na verdade, em uma sala com tantas pessoas que tinham, estudavam ou se preocupavam com essas doenças raras, senti honestamente como se fosse um milagre. Conheci e conversei com pessoas que simplesmente sabiam como era, sem precisar explicar muito.

E, melhor ainda, conheci pessoas com desafios totalmente diferentes devido à forma como a FD ou a MAS se manifestaram nelas (afinal, tudo depende de onde a mutação genética ocorreu e da intensidade). Apesar de na minha cabeça eu soubesse que cada pessoa com FD/MAS era muito diferente da outra, foi algo completamente diferente vivenciar isso pessoalmente! Foi muito inspirador, educativo é simplesmente incrível.

Também tive a honra de dar uma entrevista (!) no evento para compartilhar minha vida, minha história e o que a FD/MAS representava para mim. Foi muito estressante, mas também uma experiência super divertida e nova. Nunca pensei que daria entrevistas e de forma tão profissional também!

E para quem tem uma doença, qualquer doença, seja ela rara ou não, recomendo seriamente que tente conhecer outras pessoas que também a tenham. Suas dificuldades podem ser completamente diferentes, mas vale muito a pena poder conversar e trocar experiências com pessoas que realmente entendem.

E mesmo que você não tenha uma doença, mas cuide de alguém que tenha, também vale muito a pena conhecer outros cuidadores.

Como virei paciente porta-voz 

A Conferência Comunitária da FD/MAS Alliance realmente mudou meu mundo. E decidi botar a mão na massa:

Gravar eu mesma para esses vídeos foi uma grande luta no início, mas também me levou a uma jornada de autodescoberta e autoestima nesse processo.

Ao me envolver mais com esse mundo, isso também me ajudou a ver o mundo de uma nova maneira e a expandir meus horizontes. Entrei em contato com pacientes brasileiros e respondi às suas perguntas por causa desses vídeos – afinal, tive que dar o primeiro passo para encontrá-los, e não o contrário. Também pude compartilhar os recursos da conferência com meus médicos e especialistas em saúde, o que ajuda a eles, a mim e a qualquer outro paciente com FD/MAS que possa procurar atendimento.

Uma das coisas de que mais me orgulho é ter me envolvido com a Aliança, com outros pacientes e com a tradução de conteúdo do inglês para o meu idioma nativo. Assim como eu estava perdida sem informações, alguns de meus colegas pacientes e pais brasileiros também estavam. Foi muito gratificante compartilhar recursos com eles e responder a perguntas (sim, é possível viver uma vida plena e boa com FD/MAS). O que era uma coisa única (participar da conferência) se tornou uma paixão minha e espero poder ajudar outras pessoas da melhor maneira que puder.

Agora continuo criando conteúdo (principalmente em português do Brasil) explicando a FD/MAS para outros pacientes no Instagram, Tiktok e YouTube

O que espero para o futuro

Quando era adolescente, eu costumava brincar que a melhor esperança que eu tinha em relação à FD/MAS para pesquisa seria se uma pessoa rica ou com grande influência tivesse (ou conhecesse alguém que tivesse) a doença e investisse demais em pesquisa. Essa era a única maneira que eu tinha de imaginar que as pessoas teriam algum conhecimento ou interesse nessa doença. Eu me perguntava se algum dia encontraria alguém que conhecesse a FD/MAS e, em dias muito esperançosos, se realmente conheceria um paciente. Mas então eu me contive, achando que tudo isso era muito irrealista.

Hoje em dia, porém, as coisas estão definitivamente melhores, e a Internet é um grande motivo para isso. É claro que ela pode ser usada de maneiras boas e ruins, mas o mais importante para mim é como consegui obter informações sobre a minha doença, descobrir organizações no exterior, ir à conferência, conhecer pessoas (no meu país e no exterior) que têm a doença e, realmente, expandir meus horizontes.

Além disso, mesmo quando estou em um exame de ultrassom de rotina, o técnico geralmente reconhece o nome da doença. Eles não sabem exatamente o que é (um deles disse, e eu nunca vou me esquecer disso: “Decorei para as provas, mas não me lembro bem do que se trata, pode me dizer?”), mas só o fato de saberem por nome já me deixa feliz. Sim, ainda tenho que explicar minha condição, mas hoje as pessoas já ouviram falar dela. E agora há pesquisa e interesse – e em diversos países!

O simples fato de saber que há um interesse e uma pesquisa sobre essa condição muito rara e até então desconhecida me dá esperança.

Só posso ser grata a todos que dedicaram seu tempo e habilidades para pesquisar, arrecadar fundos por meio de captação de recursos, envolver-se em organizações ou simplesmente compartilhar suas experiências com a FD/MAS. 

Espero que eu possa retribuir um dia também!

Beatriz Kaori Miyakoshi Lopes

3 comentários em “Minha história com FD/MAS: Como me tornei porta-voz de duas doenças raras crônicas”

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