Paralimpíadas: Elas importam (e muito)!

As Paralimpíadas são a irmã esquecida das Olimpíadas. Mais jovem e menos popular, mas com grande importância: esse evento é, de fato, um agente de mudança muito maior do que as próprias Olimpíadas. Mas por quê? Porque todo país anfitrião deve adaptar sua infraestrutura para incluir a acessibilidade – ou ser duramente criticado por não fazer isso, o que é bastante comum.

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Até mesmo as recentes Paralimpíadas de Paris 2024 ainda deixam muito a desejar: a cidade carecia de infraestrutura e acessibilidade, um ponto de conteúdo e críticas de turistas, paratletas e comitês internacionais. Para efeito de comparação, o metrô de Tóquio era 96% acessível (de acordo com os padrões internacionais) pelo combo Olimpíadas + Paralimpíadas em 2020 – isso sem levar em conta o fato de que o sistema de metrô de Tóquio é um dos mais avançados e complexos do mundo, se não o mais. Por outro lado, o metrô de Paris ainda tem apenas 3% de acessibilidade, e isso depois do término dos eventos. Isso foi criticado de forma não tão sutil em um dos discursos da cerimônia de encerramento das Paralimpíadas: “adoraríamos ver um dia a ‘cidade mais bonita do mundo’ (Paris) ser totalmente acessível”. Esse foi o momento do discurso que me deixou de queixo caído. É muito raro ver o país anfitrião ser realmente criticado em um discurso.

Outro momento que adorei no discurso foi quando um de nossos atletas brasileiros, Gabrielzinho, foi mencionado pelo nome. Vocês não têm ideia de como fiquei surpresa! É um feito e tanto ser mencionado pelo nome em um discurso que nem é do seu próprio país! Para os curiosos, Gabriel é um paratleta na modalidade natação. Ele prometeu – e cumpriu – conquistar três (!) medalhas de ouro em Paris 2024. De fato, o Brasil terminou os jogos entre os 5 primeiros colocados – um feito incrível para um país ainda em desenvolvimento que não investe nem se preocupa com os paratletas ou com as Paralimpíadas em geral.

Gabrielzinho. Fonte.

Juntamente com muitas histórias bonitas de paratletas de todo o mundo e do Brasil, algo foi muito enfatizado por todos eles: a falta de acessibilidade. De cidades ricas a cidades pobres, esse foi um tema essencial. As limitações que muitos dos paratletas – e pessoas com deficiência, idosos, pessoas com crianças pequenas e animais de estimação – sofrem são as mesmas: calçadas irregulares ou quebradas, buracos no asfalto, falta de aparelhos visuais e auditivos nas cidades e muito mais.

Outra coisa muito criticada foi outra limitação, mas essa não tinha nada a ver com o aspecto físico. Não, tratava-se dos limites que a sociedade (as pessoas) impõe às pessoas com deficiência: a descrença e a falta de interesse nelas e em suas habilidades. Muitos paratletas ao redor do mundo (e todos os brasileiros) enfrentaram barreiras completas desde o primeiro dia: falta de investimento, falta de interesse, confiança falta de ajuda e infraestrutura, falta de treinamento e treinadores, e assim por diante. Às vezes, eles tinham que treinar sozinhos ou encontrar locais para treinar.

Frase de paratleta francês na cerimônia de abertura explicando que acessibilidade é para todos: “No fim, quando você faz algo ser acessível, fica acessível para todo mundo!”

Uma frase de Júlio César Agripino, recordista mundial e ouro no atletismo nos 5000m classe T11, ainda está em minha mente depois de todos esses dias: “Isso mostra o poder que as pessoas que vieram das favelas têm. Quando comecei a correr, havia apenas um pequeno campo de futebol e minha vontade. Com muita força de vontade, cheguei onde estou hoje. Não tive nenhum apoio ou força de minha comunidade ou cidade. Espero que agora eles finalmente consertem esse pequeno campo de futebol. Não quero popularidade ou visibilidade para mim; o que eu quero é fazer uma diferença no meu bairro e na minha cidade”. É incrível como, mesmo depois de quebrar o recorde mundial e ganhar o ouro, ele ainda ainda não acredita, mas tem esperança que talvez a sua cidade natal decida consertar aquele campo de futebol – sem se importar com as calçadas quebradas e o asfalto com buracos.

Júlio César Agripino. Fonte.

Isso mostra que as limitações nem sempre são apenas físicas. Elas são importantes, sem dúvida, mas a sociedade também precisa crescer e entender que é preciso rever e fazer mais.

A cerimônia de abertura das Paralimpíadas teve alguns momentos incríveis, especialmente um em que um dançarino começa a dançar com duas muletas e depois um grupo o segue. Como uma pessoa que usa muletas, eu nunca tinha visto, até aquele dia, meu auxílio para caminhar como algo que poderia ser… bonito ou artístico. Foi incrível. A cerimônia está disponível gratuitamente no canal do YouTube e eu recomendo muito que você confira pelo menos essa parte.

Por outro lado, a cerimônia final foi muito decepcionante. Embora o início tenha tido alguns discursos excelentes (os que mencionei anteriormente), depois da passagem para os EUA (o próximo anfitrião), tudo ficou sem graça. Tornou-se apenas um show com um DJ e um palco com luzes. Se você assistisse a isso, o que o faria saber que aquele não é um show eletrônico aleatório ao vivo, mas sim a cerimônia das Paralimpíadas? Infelizmente, nada. E essa foi uma grande oportunidade perdida pela França, na verdade. Esses eventos internacionais são a chance de mostrar sua cultura, seus valores, sua arte e sua história – um nível de visibilidade mundial inigualável. Para aqueles que também estudaram Relações Internacionais, esse é o chamado “soft power” (baseado em valores abstratos e cultura, em vez de força econômica ou militar). Foi uma grande chance para a França mostrar sua cultura para encerrar a cerimônia de forma maravilhosa, mas isso mostrou claramente algo que os próprios paratletas franceses criticam: a falta de interesse.

No entanto, o próprio público estava muito interessado. Foram comprados 2,15 milhões de ingressos para os Jogos Paralímpicos de Paris, superando as vendas da Rio 2016. Os palcos estavam lotados de pessoas e foi emocionante ver a torcida muito forte e barulhenta pelos paratletas. A Rio 2016 teve muitos problemas e a falta de público foi um dos principais (além da infraestrutura, dos erros de cálculo de custos, dos telhados caindo e da mudança de cor da água da piscina – mas isso é assunto para outro artigo, possivelmente). Portanto, foi incrível ver o salto na audiência e no interesse em Paris 2024.

As pessoas se importaram. As pessoas torceram. As pessoas ficaram até tarde da noite para assistir aos jogos ao vivo na França.

Mas e no Brasil?

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Essa é uma questão completamente diferente. Embora os jogos olímpicos tenham sido exibidos na TV aberta, o mesmo tratamento (mais uma vez) não foi dado aos jogos paralímpicos. Mas, dessa vez, as pessoas ficaram furiosas. Elas exigiram ver mais nas mídias sociais, criticaram o monopólio das emissoras de TV (Globo) que detinham todos os direitos de transmissão e não compartilhavam, criticaram os canais do YouTube, como o Cazetv, que transmitiram as Olimpíadas, mas de repente disseram que não tinham o direito de transmitir as Paralimpíadas.

Mas as mídias sociais não deixaram essa discussão morrer aí. “Não foi possível transmitir por falta de interesse” não é mais suficiente no século 21 em 2024. Há um claro interesse das pessoas, o problema está na mídia brasileira, ainda muito desatualizada – uma grande crítica de repórteres, analistas esportivos, apresentadores da mídia internacional e, claro, do povo brasileiro. É evidente que muita coisa ainda precisa mudar. Tenho esperança – mas infelizmente não sou otimista – de que a LA EUA 2028 será diferente e que até lá os meios de comunicação brasileiros estarão atualizados com as tendências atuais e transmitirão os Jogos Paralímpicos. Se não por uma verdadeira compreensão da importância do evento, pelo menos pela falta de audiência e pelas críticas pesadas que lhes são dirigidas. Só podemos ter esperança.

Os Jogos Paralímpicos, embora não sejam tão populares ou tão antigos quanto as Olimpíadas – na verdade, começaram no Reino Unido, e não na Grécia! – são, de fato, grandes divisores de águas e uma oportunidade única que um país pode usar para realmente melhorar sua infraestrutura e acessibilidade. É claro que nem todos se beneficiam disso. Paris ainda tem um longo caminho a percorrer para ser realmente acessível. Mas, como os cidadãos e turistas de Paris expressaram, agora há esperança de que os jogos realmente tragam mudanças para a cidade.

Você acompanhou os Jogos Paralímpicos? O que achou?

Fiz alguns vídeos sobre os jogos em português com mais de minhas opiniões:


As imagens neste post (tirando o print da minha página no Insta) não pertencem a mim – as fontes estão inclusas e o header foi feito com Adobe Firefly.

5 comentários em “Paralimpíadas: Elas importam (e muito)!”

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